O PERSONALISMO
João
Pedro de Souza[1]
Resumo:
Este
artigo apresenta os primeiros passos do pensamento personalista. Esta corrente
antropológica surgiu na França da década de 1930 com a pessoa de Emmanuel
Mounier através de sua revista Sprit. Esta
contava com a colaboração de pessoas como Jacques Maritain, Gabriel Marcel e
Nicolai Berdjaev. O nascimento do pensamento antropológico personalista se deu
em um contexto histórico muito atribulado da Europa, pois os europeus passavam
por dificuldades econômicas e humanas, porque o homem chegou ao auge de seu
declínio com a grande guerra. A proposta antropológica personalista é a pessoa,
e esta visada em toda a integralidade de sua existência. Buscando uma resposta
que abrangesse todas as dimensões da pessoa, o personalismo deve entrar em
diálogo com as ideologias presentes em seu tempo. Estas teorias são: o
individualismo, o marxismo, o fascismo, o existencialismo, o capitalismo, o
espiritualismo e o moralismo, tais ideologias,de certa maneira são antípodas à
forma do pensamento personalista.
Palavras-chave:
Emmanuel
Mounier. Personalismo. Pessoa.
Considerações iniciais
O presente trabalho busca fazer um itinerário
do personalismo desde o seu início como filosofia na França e também apresentar
o conceito de “personalismo” fazendo um caminho desde seu desenrolar histórico,
seus representantes pelo mundo, seu conceito de pessoa e também o diálogo que
ele teve com as ideologias presentes em seu contexto histórico.
Origem e desenvolvimento do
personalismo
A
palavra personalismo possui várias significações como nota-se nas seguintes
palavras 1 Qualidade do que é pessoa. 2 Tendência a impor os critérios ou as
vontades pessoais.[2]Suas
significações fazem referências aquilo que diz respeito a pessoa, mas deve-se
levar em conta uma definição que remete o termo as suas mais longínquas origens
como fala Emmanuel Mounier:
O termo
<<personalismo>> é relativamente recente. Renouvier empregou-o em
1903, para classificar a sua filosofia, caindo depois em desuso. Walt Whitman
usou-o nas suas Democratic Vistas (1867),
e depois dele encontramo-lo em vários autores americanos. Reaparece em França à
roda de 1930 para designar, num contexto muito outro, os primeiros estudos que
a revista Esprite alguns grupos afins
(Ordre Nouveau, etc) procederam, a
quando da crise política e espiritual que então alastrava na Europa. Na sua 5ª
edição, em 1947, o VocabulairePhilosophiqueque
Lalande reconhecia-o oficialmente.[3]
Como
se expressa em sua definição,Mounier 1964 busca a antiguidade da palavra, que
já foi utilizada porRenouvier e depois por Whitman,mas dentro do contexto
histórico da França da década de 1930 e a usará não para designar uma atitude,
porém algo maior do que isto, uma filosofia[4]
porque define estruturas e não foge à sistematização.
O
personalismo como corrente filosófica iniciou-se com Mounier na década de 1930,
como uma resposta a uma situação que a sociedade europeia se encontrava, pois
essa passava por uma grande crise econômica, mas sobretudo de valores humanos,
pois o pós guerra mostrou-a o quão o homem é capaz de se degenerar.[5]
Neste
período difícil da história da França no qual possui contribuiçõesda “crise de
1929”, muitos se atreveram a discorrer sobre de onde sobrevinha este tempo de
escassez, como nota-se nas seguintes palavras de:
Diante das
inquietações e desventuras que então começavam, alguns deram uma explicação
puramente técnica, outros puramente moral. Alguns jovens, porém, acharam que o
mal era ao mesmo tempo econômico e moral, inseridos nas estruturas sociais e
nos corações, e que o remédio para ele, portanto, não deveria prescindir nem da
revolução econômica, nem da revolução espiritual [...][6]
O
pensamento personalista com Emmanuel Mounier e também com a contribuição de
outros pensadores como Jacques Maritain, Gabriel Marcel e Nicolai Berdjaev
constituiu num esforço de compreender e responder de maneira integral a esta
crise do homem do século XX em sua totalidade. Buscou-se dar esta solução
através da inserção da pessoa no
centro de todas as discussões, sejam elas práticas ou teóricas.
A
grande difusão das ideias do personalismo se deu através da revista Sprit, que foi colocada à circulação a
partir de 1932, este fato aconteceu após a escolha de Mounier, na qual
sacrificou sua carreira acadêmica para se dedicar a função de publicista – já
tinha colaborado com a revista AuxDévidées
- a frente da revista Sprit.[7]
Representantes
Com
a difusão do pensamento antropológico personalista, por meio da revista Sprit,houve uma adesão a esta
antropologia e algumas pessoas a representaram em outros países da Europa
chegando até mesmo aos Estados Unidos da América.[8]
Na
França, ela é representada por nomes como G. Izard, P. Ricouer, N. Berdjaev, J.
Maritain, E. Mounier e M. Nèdoncelle. Na Inglaterra está ligada ao nome de J.
B. Coates. Na Holanda, o personalismo surgiu em 1941, num campo de prisioneiros
e desenvolveu-se no plano político. Já na Suíça, as ideias personalistas se
deram em volta dos CahiersSuisseEsprit[9].
Na
Itália os dois pensadores mais representativos foram Armando Carlini e Luís
Stefanini. Ainda entre estes intelectuais estão os personalistas cristãos de
língua alemã, convém lembrar Peter Wust (1884-1940), Romano Guardini
(1885-1968) e Max Müller[10].
E entre os norte-americanos tem-se nomes como G. H. Howison, B. P. Bowne, E. S.
Bringhtman e W. E. Hocking.[11]
Todas
estas pessoas difundiram as ideias do personalismo e contribuíram para a
construção de um pensamento personalista em seus respectivos países de origem. No
tempo do nascimento do personalismo existiam várias ideologias presentes.
Mounier levou-as em conta e sobre as mesmas debateu um pouco em sua opus.
As respostas do personalismo
para a sua época
Buscando
uma concepção de pessoa comonão-objetivável, inviolável, responsável e criativa,
livre, encarnada em um corpo na história e constitutivamente comunitária, o
personalismo deu algumas respostas a seu tempo.
O
individualismo foi uma realidade presente no tempo de EmmanuelMounier e também em
nossos dias atuais.Quando se fala em individualismo, não pode-se pensar na atitude
socrática do “Conhece-te a ti mesmo”[12]ou
noCogito[13]de
Descartes, porque tanto a posição do grego quanto a do francês são boas, pois representam uma tomada de
consciência do sujeito de sua própria existência, e isto é de suma importância.[14]
Quando
se fala de individualismo deve-se levar em conta o queMounier (1964, p.61) diz “o
individualismo é um sistema de costumes, de sentimentos, de ideias e de
instituições que organiza o indivíduo partindo de atitudes de isolamento e de
defesa” tendo em vista que o personalismo preza pelo ser humano em comunidade o
individualismo é prejudicial para a sociedade e para o homem.
O
combate ao individualismo nota-se nas devidas palavras de Mounier (1964,
p.61-62):
Foi a
ideologia e a estrutura dominante da sociedade burguesa ocidental entre o
século XVIII e o século XIX. Homem abstrato, sem vínculos nem comunidades
naturais, deus supremo no centro de uma liberdade sem direção nem medida,
sempre pronto para olhar os outros com desconfiança, cálculo ou reivindicações;
instituições reduzidas a assegurar a instalação de todo estes egoísmos, ou o
seu melhor rendimento pelas associações viradas para o lucro; eis a forma de
civilização que vemos agonizar, sem dúvida uma das mais pobres da história jamais
conhecida. É a própria antítese do personalismo e o mais direto adversário.[15]
A postura individualista jamais pode ser
aceita dentro de uma visão antropológica personalista, pois o personalismo
apregoa a pessoa que está inserida em uma existência constitutivamente
comunitária e que possui vínculos pessoais. Não se pode aceitar pessoas que só
possuam vínculos abstratos. Em nossos dias pode-se fazer uma analogia às pessoas
que só possuem vínculos em redes sociais e que, na existência encarnada, não
interagem com as demais pessoas, em situações como o olho no olho e, isto é
incompatível com o pensamento de Mounier.
O personalismo é tido também como um nãoao
idealismo, pois o mesmo:
1º - Reduz a
matéria (e o corpo) a aparência do espírito humano, nele se inserindo através
duma atividade puramente ideal; 2º - Dissolve o sujeito pessoal num amontoado
de relações geométricas ou inteligíveis, donde a sua presença é expulsa, ou
redu-lo a um simples posto receptor de resultados objetivos.[16]
Esta
posição do idealismo jamais pode ser tido como verdadeira dentro do pensamento
personalista, pois não se pode retirar a pessoa de sua materialidade. A pessoa é
pessoa até nas formas mais elementares do seu dia a dia, como um simples
bocejar, um piscar de olhos, em tudo isto ela se afirmacomo pessoa e não se
pode reduzir apenas a espírito humano, a uma ideia.
Quando
fala-se de idealismo, o personalismo remete a G. W. F. Hegel, pois este é tido sobretudo
como arquiteto imponente e monstruoso do imperialismo da ideia impessoal. Todas
as coisas, todos os seres, se vão dissolvendo na sua representação[17] e
isto é notável, percebível dentro de uma posição antropológica hegeliana, onde
se tem a diluição do homem em uma ideia, a submissão do indivíduo ao Estado e
não o contrário.
O
pensamento de Hegel desembocou em uma outra ideologia presente nos países
europeus chamada de fascismo. Esta atitude fascista é perigosa, pois é um
“antipersonalismo”[18]
porque faz com que o indivíduo fique submetido ao jugo do Estado.
Nota-se
isso quando Benedito Mussolini proclama que tudo está no Estado e nada de humano existe, a fortiori tem valor fora do Estado. O
Estado é a verdadeira realidade do indivíduo.[19]
Faz-se necessário dizer que o Estado só atinge seu pleno significado com a
personalização daqueles que o faz. Com o fascismo, como em todos os outros
regimes totalitários, os direitos, a liberdade de pessoa e de expressão não são
garantidos, pois está sujeito ao jugo do Estado. A consequência disto é que os
indivíduos são forçados a uma coletividade e isso vai contra a essência do
homem, pois no que ele tem de essencial, não pertence à coletividade pública.[20]
Pode-se acontecer que ao combater o idealismo
e o fascismo que é um desembocar do hegelianismo como todos os outros regimes
totalitários alguns chegam a pensar que o personalismo seja uma espécie de
marxismo. Isto não é verdade, pois o marxismo também foi questionado pela
filosofia personalista como percebe-se nas palavras:
Na
sequência de Hegel, Marx concebe o homem como o produto de uma dialética, de
uma fecundação recíproca e progressiva entre a ideia e a natureza. [...]É da natureza, e especialmente da natureza organizada pelo
homem na economia, que ele faz derivar, com efeito, as ideologias, que,
mergulhando de novo na natureza (matéria e indústria), se enriquecem e o
enriquecem ao mesmo tempo promovendo uma nova etapa do progresso humano. Todo o
drama se passa entre generalidades de que o homem pessoal é apenas o testemunho
e o instrumento.[21]
O
marxismo faz sua parte ao falar para a sociedade que a missão do homem é elevar
a dignidade das coisas humanizando a natureza[22]
algo que se daria através do trabalho. Mas o grande problema do pensamento
marxista é que ele acaba concebendo o homem como matéria e indústria,
tornando-o assim em apenas instrumento no meio de produção.
Outro
ponto também é que deslumbrado
pelo problema econômico, o marxismo rejeita o espiritual para as nuvens, não
reconhecendo outra influência sobre a história do homem que não a das forças
produtivas e dos poderes coletivos[23]
e rejeitar e espiritual dentro de uma antropologia que visa a pessoa em sua
integralidade não é admitido.
Ao
mostrar os pontos de não concordância do marxismo com o personalismo alguns
podem pensar que a solução estaria no capitalismo, mas não é isso que Mounier
(1967, p.55) nos diz:
[...] não se combate um erro com a desordem que o
engendra. Esses – e conhecemo-los – que aderem a esse bloco por móbeis
sinceramente espirituais, amiúde dissimulam assim, sem que eles próprios tomem
consciência disso, medos, egoísmos, reflexos de classe que os ligam, sem que o
saibam, à desordem estabelecida.
O capitalismo ao apontar os defeitos do
marxismo acaba não se lembrando que dentro de seu próprio sistema, de uma
maneira diferente existe uma debilitaçãoda dignidade humana.
Existe um outro pensamento presente no
tempo de Mounierque é o existencialismo e aqui vale lembrar da figura de Jean
Paul Sartre – existiram outros pensadores existencialistas - que buscava
encerrar o homem no seguinte ponto realizar e, realizando, realizarmo-nos, nada
mais sendo do que aquilo que realizamos.[24]
Não se pode reduzir o homem àquilo que ele realiza, pois o homem não é só o que
faz e também não basta a si mesmo, pois existem coisas que não dependem somente
dele.
Mounier1964 em seu pensamento,busca um
homem livre, que é aquele que o mundo o interroga e ele responde, este ser que
responde já se encontra livre de suas amarras e é responsável. A liberdade não
pode ser aquilo que isola ou que condena como diz Sartre, mas se realiza quando
une, quando é tudo o que a pessoa é, e é mais plenamente na sua totalidade de
pessoa do que por necessidade ou por aquilo que faz.
Da mesma maneira o personalismo não coloca
sua confiança no espiritualismo e no moralismo, pois os mesmos caem em uma
certa extremidade quando desprezam o jugo do biológico e do econômico. E isto
não pode ser levando em conta nas entranhas do personalismo.
O personalismo ao falar das várias
ideologias de seu tempo e de apontar seus pontos fracos jamais buscou fazer de
seu pensamento uma síntese destas teorias. Seu precursor Emmanuel Mounier
buscou junto com seus colaboradores dar uma resposta que abarcasse o homem em
sua totalidade e não ficar somente em partes ou extremidades.
Considerações finais
Como vimos acima, o pensamento
antropológico personalista foi uma tentativa de compreender e responder a
situação que o homem se encontrava no contexto da Europa pós-guerra e pós crise
de 1929. O personalismo nas palavras de Mounier buscou dar uma resposta a tal
situação do homem europeu e propôs uma filosofia que o abarcasse em sua
totalidade.
Para atingir este seu objetivo o
personalismo se deparou com as ideologias presentes em seu contexto histórico e
a elas dirigiu sua palavra, geralmente apontando suas fraquezas. Pode ser que
ao apontar os pontos fracos dos outros o personalismo não tenha deixado claro
como se faria para atingir o homem em sua totalidade antropológica, mas pelo
menos buscou dar uma resposta ao seu tempo.
O pensamento personalista no mínimo deixa
vislumbrado aqueles que a ele se detêm um pouco em seus estudos, um belo
exemplo é o polonês KarolWojtyla onde nota-se a influência do personalismo no
seu próprio conceito de pessoa, e neste mesmo percebe-se também a presença do
tomismo, o mesmo que também influenciou Emmanuel Mounier na França dos anos de
1930.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de
Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por
Alfredo Bossi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho
Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
AULETE, Caldas. Mini Dicionário Contemporâneo de Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
CASSIRER, Ernst. Antropologia Filosófica. 2. ed. Mestre Jou, 1977.
MOUNIER, Emmanuel. O personalismo. 2.
ed. Lisboa: Livraria Morais, 1964.
________. Manifesto ao serviço do
personalismo. Lisboa: Livraria Morais,
1967.
MOIX, Candide. O pensamento de Emmanuel
Mounier. Trad. Frei Marcelo L. Simões O.P. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1968.
REALI, Giovanni. História da Filosofia.
De Nietzsche à Escola de Frankfurt. São Paulo: Paulus, 2006, p.398-406.
VAZ, Henrique C. de Lima. Antropologia Filosófica. 12. ed. São
Paulo: Edições Loyola, 2014.
[1] Artigo apresentado à
disciplina de Antropologia Filosófica ministrada pelo Prof. MsC Victor Hugo de
Oliveira Marques como avaliação parcial no decurso do 5º semestre de Filosofia
da Universidade Católica Dom Bosco.
[2] AULETE, Mini Dicionário
Contemporâneo da Língua Portuguesa, 2004, p.613
[3] MOUNIER, O Personalismo, 1964,
p.15
[4]Idem
[5] REALE, História da Filosofia.
De Nietzche à Escola de Frankfurt, 2006, p.400
[6]MOUNIER, apud REALE, 2006, p.400
[7]REALE, 2006, p.403
[8]Ibidem, p.399
[9] Ibidem, p.401
[10] VAZ, Antropologia Filosófica,
2014, p.151
[11] REALE, 2006, p.399
[12] CASSIRER,Antropologia Filosófica,
1977, p.31
[13]Deste termo segundo (ABBAGNANO, 2007, p.148) diz-se: “abrevia-se
nessa palavra a expressão cartesiana cogito
ergosunf(Discours, IV, Méd, II, 6), que exprime a auto evidência
existencial do sujeito, isto é, a certeza de que o sujeito pensante tem da sua
existência enquanto tal [...].”
[14] MOUNIER, 1964, p.27
[15] MOUNIER, 1964, p.61-62
[16] Ibidem, p.50
[17] Ibidem, p.28
[18] MOUNIER,Manifesto ao serviço
do personalismo, 1967, p.48
[19] MOIX, O pensamento de
Emmanuel Mounier, 1968, p.231
[20]Ibidem, p.230
[21] MOUNIER, 1967, p.58-59
[22] MOUNIER, 1964, p.53
[23] MOIX, 1968, p.232
[24] MOUNIER, 1964, p.126
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